Breaking

domingo, 28 de julho de 2024

Como Paulo Falava e Interagia com a Cultura de sua Época

 

Às vezes ajuda saber um pouco de história. Vamos voltar e olhar para o primeiro século, quando a igreja estava apenas começando.

Quero explorar duas passagens que envolvem o apóstolo Paulo e o que creio que nos ensinam sobre envolvimento cultural. Essas passagens são importantes porque, juntas, refletem uma perspectiva holística do que Paulo disse sobre envolvimento com pessoas, bem como sobre a maneira como ele realmente se envolvia. As duas passagens são Romanos 1.18-32, em que Paulo descreve seu contexto cultural, e Atos 17.16-34, em que ele fala para essa mesma cultura.

Como Paulo falava sobre cultura e como ele se envolvia com ela? Há alguma diferença entre o que Paulo disse sobre cultura e a forma como ele lidou com ela? Houve alguma diferença de tom? Em caso afirmativo, essa diferença é relevante?

Nosso foco é no seu tom ao falar sobre a cultura e a forma como ele interagia com ela. A diferença entre as duas abordagens é tão grande que alguns estudiosos mais céticos argumentam que “não pode ter sido a mesma pessoa”, e questionam o relato de Atos. Entretanto, ao fazer isso, perde-se a oportunidade de uma verdadeira lição sobre envolvimento.

A tensão central do envolvimento

Para examinar as estratégias de comunicação de Paulo, vou comparar duas passagens: Romanos 1.18-32 e Atos 17, que relata seu discurso na Colina de Ares (o Areópago).

Primeiramente, quero dizer que em Romanos 1 estamos olhando para uma conversa particular em que Paulo está avaliando a cultura para a igreja. Ele é muito direto e franco quando fala com os “de casa”. Porém, quando Paulo fala diretamente à cultura em Atos 17, ele usa a mesma abordagem em seu modo de falar? Não.

Paulo é muito direto e franco quando fala com os “de casa”. Porém, quando fala diretamente à cultura em Atos 17, ele usa a mesma abordagem em seu modo de falar? Não.

Nesses dois casos vemos a tensão fundamental com que nós também precisamos negociar ao nos envolver e representar o evangelho. É uma tensão que já mencionamos: como estendemos a mão convidando enquanto ao mesmo tempo representamos fielmente o desafio do evangelho com nossa vida diária? O convite é o alvo final, visto que é a solução para cada alma perdida. Esse convite é também uma jornada em direção à nova identidade e à transformação que só Deus pode trazer.

É um convite para algo que está faltando no mundo lá fora, um lugar sagrado ocupado por indivíduos perdoados e cheios do Espírito que formam uma comunidade, a qual é ciente de que é o povo de Deus. É um convite não só para um relacionamento pessoal com Deus, mas um relacionamento de comunhão com pessoas de perspectivas semelhantes capacitadas pelo Espírito que são chamadas a viver de uma maneira diferente do que é o normal para o mundo.

Reflexões teológicas de Paulo sobre a cultura (Romanos 1.18-32)

O texto-chave está nos versículos 24-32:

“Por isso Deus os entregou à impureza sexual, segundo os desejos pecaminosos do seu coração, para a degradação do seu corpo entre si. Trocaram a verdade de Deus pela mentira, e adoraram e serviram a coisas e seres criados, em lugar do Criador, que é bendito para sempre. Amém.
Por causa disso Deus os entregou a paixões vergonhosas. Até suas mulheres trocaram suas relações sexuais naturais por outras, contrárias à natureza. Da mesma forma, os homens também abandonaram as relações naturais com as mulheres e se inflamaram de paixão uns pelos outros. Começaram a cometer atos indecentes, homens com homens, e receberam em si mesmos o castigo merecido pela sua perversão.
Além do mais, visto que desprezaram o conhecimento de Deus, ele os entregou a uma disposição mental reprovável, para praticarem o que não deviam. Tornaram-se cheios de toda sorte de injustiça, maldade, ganância e depravação. Estão cheios de inveja, homicídio, rivalidades, engano e malícia. São bisbilhoteiros, caluniadores, inimigos de Deus, insolentes, arrogantes e presunçosos; inventam maneiras de praticar o mal; desobedecem a seus pais; são insensatos, desleais, sem amor pela família, implacáveis. Embora conheçam o justo decreto de Deus, de que as pessoas que praticam tais coisas merecem a morte, não somente continuam a praticá-las, mas também aprovam aqueles que as praticam.”

Em Romanos 1, Paulo é extremamente claro sobre o que acha da cultura ao seu redor, a cultura dominante. Seu discurso sobre a cultura greco-romana começa com “Portanto, a ira de Deus é revelada dos céus contra toda impiedade e injustiça dos homens que suprimem a verdade pela injustiça, pois o que de Deus se pode conhecer é manifesto entre eles, porque Deus lhes manifestou. Pois desde a criação do mundo os atributos invisíveis de Deus, seu eterno poder e sua natureza divina, têm sido vistos claramente, sendo compreendidos por meio das coisas criadas” (v. 18-20a).

Paulo prossegue: “... tais homens são indesculpáveis; porque, tendo conhecido a Deus, não o glorificaram como Deus, nem lhe renderam graças, mas os seus pensamentos tornaram-se fúteis e o coração insensato deles obscureceu-se. Dizendo-se sábios, tornaram-se loucos e trocaram a glória do Deus imortal por imagens feitas segundo a semelhança do homem mortal, bem como de pássaros, quadrúpedes e répteis” (v. 20b-23). O apóstolo então compartilha o texto-chave que registramos acima em seus três refrões: “Deus os entregou a...” (v. 24,26,28). Eu leio isso e às vezes me pergunto se Paulo estava assistindo nosso noticiário da noite. Por mais que as coisas tenham mudado em nosso mundo, muitas delas permanecem parecidas com como eram naquela época.

Reconhecidamente, a confrontação (e a condenação) que Paulo faz das tendências da cultura não é o texto mais politicamente correto. Ele é direto e não poupa palavras. Na continuação, Paulo acusa os ímpios dos crimes morais que as escolhas daquela cultura representavam, e os lista de maneira específica. A gama de “crimes” (ou pecados) é surpreendente: injustiça; maldade; ganância; depravação; inveja; homicídio; rivalidades; engano; malícia; fofoca; calúnia; inimizade com Deus; insolência; arrogância; presunção; desobediência aos pais; invenção de formas de praticar o mal; insensatez; deslealdade; falta de amor; impiedade.

Sempre há algo nessa lista que enquadra a todos em algum ponto. Ela estabelece uma declaração fundamental: todos pecaram e estão destituídos da glória de Deus (Rm 3.23). A necessidade do evangelho descrita aqui diz respeito a todos nós.

Em uma conclusão bastante severa para sua confrontação da pecaminosidade da cultura, Paulo escreveu em Romanos 1 que, “embora conheçam o justo decreto de Deus, de que as pessoas que praticam tais coisas merecem a morte, não somente continuam a praticá-las, mas também aprovam aqueles que as praticam” (v. 32).

Às vezes a gramática faz diferença. Este é um desses trechos. “Coisas” não é singular, é plural.

O termo plural é significativo. O que Paulo condena, nessa passagem, vai além da parte do meio que destaca os pecados sexuais. Embora os comportamentos desonrosos que ele menciona ali sirvam como bons exemplos do quão disfuncionais as coisas se tornaram por causa do pecado, devemos ler a lista como um todo, como um reflexo dos comentários sobre idolatria feitos logo antes. Distanciamento de Deus leva a esses pecados. Ninguém escapa da necessidade de Deus, e ninguém escapa da culpa ou da prestação de contas. Qualquer coisa daquela lista desqualifica alguém de honrar a Deus e o torna culpável por seu pecado. O barco dos necessitados está lotado.

Comportamentos sexuais contrários à natureza são apenas um exemplo de uma longa série de maneiras pelas quais adoramos criaturas em vez do Criador. Além das formas específicas de sexualidade condenadas aqui há outros tipos de pecado, incluindo fofoca, arrogância, inveja e criação de desavenças.

Um texto que a igreja muitas vezes usa para condenar algumas pessoas na verdade mostra a necessidade que todas têm do evangelho.

Paulo está colocando os fundamentos para expor por que todos precisamos do evangelho, da nova vida e do espaço sagrado que Deus nos dá através de Jesus Cristo. A acusação do apóstolo do “todos” em Romanos 3 segue uma acusação do mundo judeu em Romanos 2, e esta segue uma acusação do mundo gentio em Romanos 1. No capítulo 2, Paulo diz que os judeus, apesar de terem a Lei, são culpados de tipos semelhantes de violação. Este não é um problema que diz respeito somente a um grupo específico. Ele é generalizado. Todos estão remando no mesmo barco furado, correndo o risco de afundar. Todos precisam do evangelho: dos fofoqueiros aos orgulhosos, dos invejosos aos que praticam imoralidade sexual em todas as suas formas. A condenação do pecado por Paulo é abrangente em seu escopo.

Essa lição é importante para o envolvimento. Um texto que a igreja muitas vezes usa para condenar algumas pessoas na verdade mostra a necessidade que todas têm do evangelho. O desafio contém o lembrete de que todos precisamos da graça de Deus. No desafio está a preparação para o convite, se nos lembrarmos da provisão de graça que Deus teve para conosco quando ainda estávamos no pecado.

Essa realidade presume a necessidade de sermos humildes e mansos ao compartilhar. A única coisa que eleva nosso status é a nova vida no evangelho, por meio do qual foi Deus quem nos deu tudo.

A mensagem de Paulo aqui é ampla, direta e clara. O evangelho diz a toda pessoa viva que ela precisa de um relacionamento restaurado com Deus. Se deixados por conta própria, todos fracassamos em viver à altura do padrão que Deus estabeleceu para aqueles que criou à sua imagem. Ninguém tem o direito de menosprezar outra pessoa por sua necessidade.

Assim, a inteligência cultural reconhece o estado da nossa sociedade longe de Deus. A necessidade que temos dele é enorme e nos torna humildes.

A metodologia de Paulo para o envolvimento cultural (Atos 17.16-34)

Alguns versos-chave são os versículos 16 e 22-23:

“Enquanto esperava por eles em Atenas, Paulo ficou profundamente indignado ao ver que a cidade estava cheia de ídolos... Então Paulo levantou-se na reunião do Areópago e disse: ‘Atenienses! Vejo que em todos os aspectos vocês são muito religiosos, pois, andando pela cidade, observei cuidadosamente seus objetos de culto e encontrei até um altar com esta inscrição: AO DEUS DESCONHECIDO. Ora, o que vocês adoram, apesar de não conhecerem, eu lhes anuncio’.”

Tendo o comentário de Paulo para os “de casa” em Romanos 1 sobre a seriedade e o escopo do pecado em mente, agora podemos voltar nossa atenção para como Paulo fala diretamente a essa mesma cultura em Atenas em Atos 17.

Sabemos muito bem, a partir de Romanos 1, como ele enxerga as ações e atitudes da cultura. Conforme passamos da teologia à metodologia, fazemos a transição para Atos 17, onde Lucas relata que, “enquanto esperava por eles em Atenas, Paulo ficou profundamente indignado ao ver que a cidade estava cheia de ídolos” (v. 16). Esse versículo poderia ser um resumo do que vimos em Romanos 1. O significado grego para a palavra “indignado” está ligado à ideia de sentir-se “provocado”, já que Paulo reage com evidente raiva ao que está vendo, o que fez seu sangue começar a ferver!

Emocionalmente falando, estamos com ele no mesmo lugar onde estávamos durante suas confrontações dos pecados culturais em Romanos 1. Em Atenas, Paulo estava falando a judeus e a gentios tementes a Deus na sinagoga e nas praças. No entanto, havia também alguns filósofos epicureus e estoicos conversando com ele, e ao avaliar Paulo, diziam: “O que está tentando dizer esse tagarela?” (v. 18). A referência literal é a um pássaro bicando sementes, indicando alguém sem substância – alguém que vai dessa semente para aquela, sem parar em nenhum lugar por tempo o suficiente para realmente entender o que está acontecendo.

Na Colina de Ares, Paulo é apresentado praticamente como um entretenimento de segunda. Ele não é respeitado. Eles não dizem: “Que honra a nossa ter um representante importante de um novo movimento religioso que vem abalando nosso mundo e a quem devemos dar atenção”. Ele é apenas uma curiosidade; ainda assim, caminha diretamente para essa arena e fala, não fugindo da oportunidade por causa da plateia difícil e desrespeitosa. Ele se envolve, mesmo que eles o tratem como uma parte menos séria da conversa. Ele é fiel, respeitoso e até mesmo gentil na maneira como começa.

Lucas descreve a cena em Atos: “Outros diziam: ‘Parece que ele está anunciando deuses estrangeiros’, pois Paulo estava pregando as boas-novas a respeito de Jesus e da ressurreição. Então o levaram a uma reunião do Areópago, onde lhe perguntaram: ‘Podemos saber que novo ensino é esse que você está anunciando? Você está nos apresentando algumas ideias estranhas, e queremos saber o que elas significam’” (v. 18b-20).

Isso prepara o palco para o que Paulo está prestes a fazer no versículo 22. “Então Paulo levantou-se na reunião do Areópago e disse: ‘Atenienses! Vejo que em todos os aspectos vocês são muito religiosos’”. Sua frase inicial carrega um duplo sentido que não podemos deixar de notar: ser “muito religioso” também significa ser potencialmente supersticioso. Então, esse uso das palavras por Paulo implica uma crítica, mas é uma que pode ser usada para construir uma ponte. Desafio e convite estão lado a lado.

Paulo está comunicando um nível de respeito pela sua busca por espiritualidade, e então ele passa a corrigi-la dando-lhes a chance de refletir sobre aquilo em que creem.

Essa é uma incrível frase de introdução. Como é possível o Paulo julgador e provocador de Romanos 1 sequer ousar falar dessa forma? Eles são “muito religiosos”! Como quem cresceu nos anos 1960, eu li as palavras de Paulo e me perguntei: o que você estava fumando, Paulo? Essa introdução é tão surpreendente que alguns afirmam que não é possível que tenha sido de Paulo – que é apenas Lucas colocando palavras na boca de Paulo. No entanto, enxergar as coisas dessa forma significa perder o ensino do que Paulo está fazendo.

A maneira como ele constrói a ponte intencionalmente não é para abrir o discurso com uma polêmica agressiva contra as crenças profundamente enraizadas de seus ouvintes e insultá-los. Em vez disso, Paulo está comunicando um nível de respeito pela sua busca por espiritualidade, e então ele passa a corrigi-la dando-lhes a chance de refletir sobre aquilo em que creem. Na prática, ele está dizendo: “Eu vejo que vocês estão interessados e envolvidos com questões espirituais, então por que não conversamos sobre isso?”. Ele tentará corrigi-los ao construir uma ponte de onde eles estão até onde ele os quer levar.

Na verdade, os povos antigos eram muito religiosos. Seu mundo era cheio de deuses. Havia templos em cada esquina dedicados a uma multidão de deuses. Se você for a Pompeia hoje, verá exemplos da variedade de templos. O calendário romano era preenchido com 150 feriados religiosos por ano (isso dá um a cada três dias). Os romanos chamavam os judeus e os cristãos de ateus porque só tinham um único Deus! Ciente de sua religiosidade, Paulo passa por essa porta aberta e entra na conversa. Ele o fez com respeito e consideração por aspectos daquela cultura que poderiam ser uma ponte.

Nenhum comentário:

Postar um comentário